quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

reviravolta

ela dirige para a vaga no estacionamento enquanto
eu me escoro contra o pára-choque de meu carro.
ela está bêbada e seus olhos estão molhados de lágrimas:
“seu filho da puta, você trepou comigo quando não
estava a fim. Disse pra eu continuar ligando,
disse pra eu me mudar pra perto da cidade,
e então me disse pra deixar você em paz.”

tudo muito dramático e eu gostando daquilo.
“claro, bem, o que você quer?”

“quero falar com você. Quero ir pra sua
casa e falar com você...”

“estou com alguém agora. Ela foi buscar um sanduíche.”

“quero falar com você...demora um pouco pra superar as coisas. Preciso de mais tempo.”
“claro. Espere até que ela saia. Não somos desumanos. Podemos tomar um drinque juntos.”

“merda” ela disse, “oh, merda!”

pulou dentro do carro e arrancou.

a outra apareceu: “quem era aquela?”

“uma ex-amiga.”

agora ela se foi e estou aqui sentado e bêbado
e meus olhos parecem molhados de lágrimas.
está tudo muito silencioso e sinto como se um arpão
estivesse atravessado no meio das minhas tripas.

caminho até o banheiro e vomito.

piedade, eu penso. Será que a raça humana não sabe nada
sobre piedade?

(Charles Bukowski)

domingo, 9 de dezembro de 2007

PROJETO ALTA FIDELIDADE

Alta Fidelidade 2007
Após cinco anos de espera o ALTA FIDELIDADE finalmente volta para onde tudo começou: o Teatro Oficina da Universidade Estadual de Maringá. De quebra os organizadores firmaram uma parceria cultural muito promissora com a ADUEM (Associação dos Docentes da Universidade Estadual de Maringá), visando agitar constantemente o final de cada mês de 2008. Para quem não se lembra vai ai um histórico do evento:
* Alta Fidelidade 2003 - A Inimitável Fábrica de Jipes & Betty by Alone, exposição de fotos e poesias - Teatro Oficina da UEM;
* Alta Fidelidade 2004 - A Inimitável Fábrica de Jipes & Betty by Alone & Trial & Relespública, exposição de fotos e poesias - Asterisco Bar;
* Alta Fidelidade 2005 - A Inimitável Fábrica de Jipes & Faichecleres - Asterisco Bar;
* Alta Fidelidade 2006 - A Inimitável Fábrica de Jipes & Terminal Guadalupe, exposição de fotos e poesias - Asterisco Bar;
Para fechar 2007, o ALTA FIDELIDADE 2007 faz uma dobradinha e mais uma vez traz até Maringá a banda curitibana Terminal Guadalupe, grande promessa e destaque absoluto do rock parananense. O pessoal do TG promete apresentar o seu mais novo show desde o lançamento do aclamado "A Marcha dos Invisíveis". As honrarias da abertura caberão a maringaense Leminskes, que nos últimos meses vem se destacando no cenário regional. Então anota ai:
O que? ALTA FIDELIDADE 2007
Quando? 21/12/2007 as 21:00 hs (Pontualmente!)
Onde? TEATRO OFICINA DA UEM
Quem? LEMINSKES (MARINGÁ) & TERMINAL GUADALUPE (CURITIBA)
Quanto? R$5,00 (200 Convites na Portaria do Teatro)
O que +? POESIA, FOTOGRAFIA, PREMIAÇÔES, BLá, Blá, Blá
Apoio: ADUEM
Realização: ALTA FIDELIDADE

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

última canção

Esta talvez seja a minha última canção. Ela foi a que mais tempo levou para ser composta. Antes dela, eu era só mais um garoto assustado, precisando de muito barulho pra afastar os maus pensamentos. Antes dela, eu vivia em fuga, tentando escapar de mim mesmo. Antes dela, eu tinha vocação para a mentira e para um prato de comida fácil, em qualquer companhia - desde que me pagassem o almoço. Antes dela eu me sentia a menor das criaturas sobre a terra. Não me achava digno nem dos pingos da chuva, que me acertavam em cheio a testa. Antes dela, eu não tinha conhecido a paixão e tudo que vem de brinde com ela. Antes dela, eu achava que iria morrer aos 28, como Jim Morrison. Então eu me achava genial e descia a rua sem olhar para os lados ou para trás. Antes dela, eu não amava os gatos como amo. Antes dela, eu ainda acreditava em todas as pessoas. Antes dela, eu achava que era só uma questão de tempo pra tudo dar certo. Antes dela, tinha o deserto. Agora, quando eu não estiver mais por aqui, ela, a canção, vai ficar. Vai ficar ecoando, como crianças brincando com a própria voz em frente ao rochedo, como uma valsa que não quer terminar, como os pequenos barulhos que você faz enquanto dorme. Como um pequeno sopro de brisa, em algum lugar.

(Rubens K)

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Cachorro no vento...


A noite não estava frio, só um vento de fim de inverno soprava, e ele na janela fumando um cigarro, tentando achar o sono perdido no meio da fumaça. Tinha tomado chá preto, leite com café, a comida não descia, não cabia no estômago nada mais que a tristeza que inundava o coração. E transbordava pro corpo todo. Um cachorro correndo de um carro na avenida, mancando de uma colisão não evitada, outros correndo em sua direção. Ele se sentia aquele cachorro: aleijado, rejeitado, abandonado ao frio e à sua própria sorte. Sem dono, sem comida, sem casa, sem teto, no vento. Só que esse cachorro não fumava dois maços por dia. Duas da manhã, o sono não vinha, a cabeça pesava mais que o habitual, um turbilhão de idéias, pensamentos, mirabolantes que só, invadiam sua cabeça. Fazer como o cachorro, correr sem rumo, aceitar a dura realidade, sentar na calçada, esperar melhor sorte, alguém jogando uma salsicha pra ele, um afago na cabeça, um chute no pêlo encardido. Uma música boa ao fundo, uma guitarra folk arranhando acordes bonitos, melhor que um hardcore, mais doce que pudim de leite condensado... Um bando de jovens falando que viver a vida é correr e arriscar, “be fast”, lembrava Led... E o cachorro?! E a velocidade?! E o sono? Chegando de mansinho, sorrateiro, tirando o nexo das idéias, embaralhando o olhar, o propósito firme, o meio complicado, o fim longínquo... Organizar o pensamento, pensar objetivamente, tentar de novo, e de novo, até conseguir, ele não iria desistir nunca, era um guerreiro, não desiste porque é teimoso, sabia que era inevitável que iria conseguir, talvez demorasse mais que agüentava, mas iria..

fim de semana "Norte em chamas"...


Outubro começou com um baita calor, oque parecia animar cada vez os amantes do rock 'n roll... Começou com a fantástica recepção que tivemos em Curitiba por parte de nossos irmãos do TERMINAL GUADALUPE, que juntamente com o pessoal do TRÊMULA nos receberam no Porão Rock Club. Foi absurdo o quanto a galera do Terminal se empenhou pra fazer uma noite extremamente agradável, um ótimo churrasco no outro dia, os novos amigos que nos apresentaram.
Mas o melhor mesmo foi poder receber esses grandes músicos e amigos aqui em nossa cidade, poder retribuir a hospitalidade que tiveram conosco na semana anterior. E mandaram muito bem no Tribos Bar, nossa casa aqui em Maringá, do nosso grande irmão e companheiro Juninho. Fizeram só oque fazem de melhor: deixaram todos de boca aberta e cabelos em pé. São sempre canções fortes e contundentes, profundas que nos fazem pensar e às vezes até sentir raiva!!! E pra melhorar ainda tocamos com nossos irmãos do OUVIDOS CALADOS, em Rolândia, ouvindo os gritos do Fabião, um puta lutador, um cara que é só rock e nada mais, com canções que fizeram o mais escondido sentimento brotar, com amor e berros insandecidos!!!

Aos nossos grandes amigos do rock, não desistam nunca, como diz meu irmão mais velho Rubens K, se assim fizerem, "eles nos venceram"...

Rock sempre!!!

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Mês corrido este hein... mas de extrema qualidade!!!




domingo, 16 de setembro de 2007

Sangue de Maria

Ele sempre gostou daquele drink: gim com campari... E era isso que ele bebia enquanto via a banda de seus amigos tocarem aquele blues arrastado, cheio de paixão e melancolia. Seu velho amigo entre seus dedos, queimando no ar, castigando os pulmões, sendo sua única companhia naquela noite de junho. Pensou na vida, nas pessoas que ficaram pra trás, nas que passaram por sua vida. A bebida começava a fazer efeito, já era a quarta dose, a lágrima rolava em sua face. A canção agora lembrava situações, muitas boas, outras com final nem sempre feliz. O cara do bar trouxe mais uma dose. Ele a viu chegando, não estava sozinha... Não importava com quem! Ele puxou mais uma vez a fumaça pra dentro, tomou um gole, rangeu os dentes... Tomou coragem, outro gole!!! Pensou em levantar, ir conversar. As pernas não obedeciam. O cérebro ainda era mais esperto que o coração, duro pra se proteger, mole pra se meter em encrencas... Só ele e o garçom entendiam a situação. Ela quase o viu, por um relance. Parecia que na mesa do canto, a mesma que tantas vezes riram e se embriagaram. Não podia ser, ela ouvira falar que ele sofreu um acidente fatal de carro. Explodiu no meio de uma plantação de cevada ou aveia, ninguém nunca soube ao certo. O garçom apagou a luz sobre ele. Nem o nome dele sabia, nunca falara mais do que o preço da dose pra ele. Naquela noite era seu melhor amigo, soube interpretar a necessidade do momento. Nem perguntou. Trouxe outra dose, mais um maço de seu cigarro preferido, aquele mesmo que estava aos poucos derretendo seus pulmões... A canção continuou. A noite ainda começava, mas para os outros, não pra ele.

Preceitos básicos e avisos adicionais a jovens escroques

Não tente roubar uma vaca maior que sua caçamba.

Não mostre seu rabo pra Polícia Rodoviária.

Negociatas longas com grana curta é prejuízo na certa.

Não confunda o Evangelho com a Igreja.

Nunca dedure familiares ou amigos.

Evite morar em qualquer lugar onde não dê pra mijar da porta da frente.

Só porque é simples não significa que é fácil.

Não deixe seu olho grande preencher cheques que sua barriga vazia não possa bancar.

Se você não a quer, não a provoque.

Não estacione entre dois cachorrões jogando sujo.

Qualquer um amassa tomates; o foda é fazer o molho.

Nunca se é pobre demais para deixar de prestar atenção.

Não remoa por aí suas paranóias.

Nunca durma com uma mulher que considere isso um favor.

Se for atingido por um valentão, dê-lhe a outra face.

Se rolar de novo, atire no filho da puta.

Manter é sempre duas vezes mais difícil do que conseguir.

Nunca atravesse uma cidade pequena a 120 por hora com a filhota do xerife nua na garupa.

Nunca registre o preto no branco.Se você não está confuso então não tá entendendo nada.

Amar é sempre mais difícil do que parece.



(Jim Dodge)
A noite não estava fria, só um vento de fim de inverno soprava, e ele na janela fumando um cigarro, tentando achar o sono perdido no meio da fumaça. Tinha tomado chá preto, leite com café, a comida não descia, não cabia no estômago nada mais que a tristeza que inundava o coração. E transbordava pro corpo todo. Um cachorro correndo de um carro na avenida, mancando de uma colisão não evitada, outros correndo em sua direção. Ele se sentia aquele cachorro: aleijado, rejeitado, abandonado ao frio e à sua própria sorte. Sem dono, sem comida, sem casa, sem teto, no vento. Só que esse cachorro não fumava dois maços por dia. Duas da manhã, o sono não vinha, a cabeça pesava mais que o habitual, um turbilhão de idéias, pensamentos, mirabolantes que só, invadiam sua cabeça. Fazer como o cachorro, correr sem rumo, aceitar a dura realidade, sentar na calçada, esperar melhor sorte, alguém jogando uma salsicha pra ele, um afago na cabeça, um chute no pêlo encardido. Uma música boa ao fundo, uma guitarra folk arranhando acordes bonitos, melhor que um hardcore, mais doce que pudim de leite condensado... Um bando de jovens falando que viver a vida é correr e arriscar, “be fast”, lembrava Led... E o cachorro?! E a velocidade?! E o sono? Chegando de mansinho, sorrateiro, tirando o nexo das idéias, embaralhando o olhar, o propósito firme, o meio complicado, o fim longínquo... Organizar o pensamento, pensar objetivamente, tentar de novo, e de novo, até conseguir, ele não iria desistir nunca, era um guerreiro, não desiste porque é teimoso, sabia que era inevitável que iria conseguir, talvez demorasse mais que agüentava, mas iria..

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Ela falou alguma coisa sobre ir embora. Depois falou que precisava tirar o carpete da sala, dos quartos. Disse que precisa de mais espaço pra respirar. Eu tava na cozinha olhando pro nada, copo de café na mão, tentando entender como as coisas acontecem, como a felicidade surge e te leva num turbilhão. Lá da cozinha eu só consegui dizer um “como você achar melhor”. Imediatamente me arrependi de ter dito isso.

Rubens K. - Terminal Guadalupe

segunda-feira, 3 de setembro de 2007


Esse blog é de um grande irmão nosso em Maringá, o fotógrafo Fábio Dias. Esse é um cara que sempre esteve acompanhando as bandas de rock, às vezes quase que desapercebido, congelando o momento, buscando os cliques mais inusitados. E tem feito um trabalho fantástico em relação à nossa cidade. Só uma palhinha do que esse cara é capaz...

Leminskes, uma banda de amigos


Leminskes tem a mesma história de milhares de bandas que pipocam em garagens do mundo todo: amigos que se gostam e que têm no rock um estilo de vida. Leminskes não é nada além disso: amigos querendo se divertir nos finais de semana. Nenhuma revolução, promessa ou salvação para o rock. Aliás, não há salvação para o rock. É o rock quem salva e
se salva.

O rock é e sempre será a trilha sonora escolhida para ver a vida
correr, enquanto o trabalho consome mas alimenta, no momento em os amigos chegam e partem, no calor em que as paixões nascem e as vezes morrem com a gente. Mas não é só no rock que se encontram as palavras apropriadas para expressar esse turbilhão de sentimentos. As palavras também estão em movimento e carregadas de poesia nas páginas de inúmeros livros que nos inundam de emoções. E foi na combinação da distorção do som com a força das palavras que Leminskes buscou a sua inspiração. Uma clara referência e uma honesta homenagem ao poeta paranaense
Paulo Leminski, que tão bem soube brincar com os sons e com as palavras.

Formada em Maringá-PR e reunida em 2007, Leminskes conta com a voz de Daniela Corazza, com a guitarra de Rafael Souza (Sex Hansen, The Guavas e A Inimitável Fábrica de Jipes), com o baixo de Clériston "Gótico" Teixeira (Os Prolétas, The Jhones Project) e com a bateria de Igor Grande. Para o final de 2007, o primeiro CD da banda, com o nome provisório de “Canções Despedaçadas para Juntar os Cacos” deve ser lançado. A banda faz sua estréia no próximo dia 25/08, junto com o Terminal Guadalupe, uma das bandas mais bacanas e inteligentes da atualidade.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Terminal Guadalupe, uma super banda...

Acaba de chegar às bancas o número 66 da revista paranaense Idéias. Embora trate mais de política e economia, a publicação também destaca a cultura, especialmente literatura. A nova edição, porém, joga luz sobre o álbum "A Marcha dos Invisíveis", do Terminal Guadalupe. Em texto assinado pelo jornalista, escritor e mestre em Literatura Marcio Renato dos Santos, o disco é descrito como "perfeito". Confira alguns trechos de "Debulho", título do artigo:(...) A marcha dos invisíveis, mais recente álbum da banda curitibana Terminal Guadalupe, tem som impecável. Nenhuma manifestação sonora da província registrada em álbum até este momento atingiu tamanha qualidade. Os timbres de guitarra, o som do contrabaixo, da bateria, da voz, dos vocais, de eventuais outros instrumentos, enfim, todo som neste álbum, musicalmente falando, toca a eternidade, o sublime. A marcha dos invisíveis parece até álbum de artista internacional, tanta e tamanha é a qualidade do som gravado. Musicalmente, A marcha dos invisíveis é um álbum perfeito.(...) A marcha dos invisíveis traduz, ainda, o entrosamento de Dary Jr. (texto e voz), Allan (guitarra e vocal), Rubens K. (baixo), Fabiano (bateria) — agora acompanhados de Lucas (guitarra). A marcha dos invisíveis contamina o imaginário de quem tem acesso ao conteúdo. A marcha dos invisíveis é, por tudo que irradia, o ápice disso que se chama música popular feita no Paraná. Mas — óbvio, ululante até — o Paraná está no Brasil, no mundo, no cosmos, no caos. É, A marcha dos invisíveis é o álbum.www.tg.mus.br

terça-feira, 19 de junho de 2007

Para matar um grande amor

Muito se louvou a arte do encontro, mas poucos louvaram a arte do adeus. No entanto, não há gesto tão profundamente humano quanto uma despedida. É aquele momento em que renunciamos não apenas à pessoa amada, mas a nós mesmos, ao mundo, ao universo inteiro. O amor relativiza; a renúncia absolutiza. E não há sentimento mais absoluto do que a solidão em que somos lançados após o derradeiro abraço, o último e desesperado entrelaçar de mãos. Arrisco mesmo a dizer: só os amores verdadeiros se acabam. Os que sobrevivem, incrustados no hábito de se amar, podem durar uma vida inteira e podem até ser chamados de amor mas nunca foram ou serão um amor verdadeiro. Falta-lhes exatamente o Dom da finitude, abrupta e intempestiva. Qualidade só encontrável nos amores que infundem medo e temor de destruição. Não se vive o amor; sofre-se o amor. Sofre-se a ansiedade de não poder retê-lo, porque nossas cordas afetivas são muito frágeis para mantê-lo retido e domesticado como um animal de estimação. Ele é xucro e bravio e nos despedaça a cada embate e por fim se extingue e nos extingue com ele. Aponta numa única direção: o rompimento. Pois só conseguiremos suportá-lo se ocultarmos de nossos sentidos o objeto dessa desvairada paixão. Mas não se pense que esse é um gesto de covardia. O grande amor exige isso. O rompimento é sua parte complementar. Uma maneira astuciosa de suspender a tragédia, ditada pelo instinto de sobrevivência de cada um dos amantes. Morrer um pouco para se continuar vivendo. E poder usufruir daquele momento mágico, embebido de ternura, em que a voz falseia, as mãos se abandonam e cada qual vê o outro se afastar como se através de uma cortina líquida ou de um vitral embaçado. Há todo um imaginário sobre os adeuses e as separações, construído pela literatura e pelo cinema. O cenário pode ser uma estação de trem, um aeroporto (remember Casablanca), um entroncamento rodoviário. Pode ser uma praça ou uma praia deserta. Falésias ou ruínas de uma cidade perdida. Pode estar garoando ou nevando, mas vento é imprescindível. As nuvens devem revolutear no horizonte, como a sugerir a volubilidade do destino. Os cabelos da amada, longos e escuros, fustigam de leve seus lábios entreabertos. Há sutis crispações, um discreto arfar de seios. E os olhos, ah!, os olhos... A visão é o último e o mais frágil dos sentidos que ainda nos une ao que acabamos de perder. Uma grande dor, uma solidão cósmica, um imenso sentimento de desterro. Que se curam algum tempo depois com um amor vulgar, desses feitos para durar uma vida inteira...
Jamil Snege nasceu em Curitiba, em 1939. Graduou-se em Sociologia e Política pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Escritor e publicitário, dividia seu tempo entre os livros e sua agência publicitária. Publicou crônicas, quinzenalmente, no jornal Gazeta do Povo. Seus principais livros são “O jardim, a tempestade” (minicontos, 1989), “Como eu se fiz por si mesmo” (memórias, 1994) e “Os verões da grande leitoa branca” (contos, 2000). Morreu em Curitiba, em 2003.

domingo, 20 de maio de 2007

Velha amiga...

A estrada longa dizia tanto... A cada curva, a cada placa, a velha amiga chamava mais e mais... E o caminhão era o tradutor da mensagem... Ele o receptor. O caminhão o meio... Atrás dele somente as toras que outrora foram vida, agora viravam papel, um bloquinho de rascunho, uma carta de amor talvez. Elas que floresceram, viram chuva, frio, sol, canto de pássaros. Que foram confidentes de algum camponês que amava a esposa e os três filhos... Agora estavam atrás dele. Virando papel... A música country de Johnny Cash soando como um sonho pra ele, o radio baixinho, o px chamando qualquer um pro papo. A neblina deixando a noite mais linda, mais perigosa... E o único perigo naquela noite seria morrer sem amar. Passar aquelas frias horas com a mente vazia, com o coração duro. Não era ele agora, não mesmo. No painel do caminhão a foto da namorada, seu anjo, seu refúgio, seu porto seguro. A certeza de um amor que então ia se concretizando aos pouquinhos, sem pressa, com ternura, com paciência. Na Route 66, o tapete preto que cortava seu estranho país, ás vezes um motel, um café, um pedaço de torta de blueberry, um pedaço de galinha frita com molho barbecue. Parecia que June Carter cantava sentada ao seu lado então, sua linda voz aveludada amolecia o coração daquele menino de barbas e camisa xadrez vermelha.
Uma parada pra verificar os pneus, uma água no rosto pra espantar o sono, um cigarro pra esquentar os pulmões, uma olhada pra lua. Deu vontade de ficar ali olhando o céu, contando as estrelas, igual quando ele ficava com a filha deitado no chão da varanda... Contavam uma a uma, inventavam bichinhos, casas, ursos... A estrada chamou, o px passou informação de problemas à frente, óleo na pista... Cuidado redobrado... Mas a canção o fez esquecer da preocupação, vagar o olhar no fim da estrada, sem atentar que logo a frente estava a tênue fronteira entre viver e tentar tudo de novo...

Novo dia para uma vida nova

O dia raiou, e ele não pregou o olho um minuto sequer a noite toda... Pensando na amada, na possibilidade de um reencontro... Pensou muito na vida que lhe foi subtraída, tirada à força. Um banho quente, uma xícara de chá pra curar a gripe, um cigarro pra atrapalhar a cura... Assim sempre foi ele, ambíguo: por mais que tentava se ajudar, fazia sempre alguma coisa que acabasse atrapalhando. O dia começava quente, como o chá, como o coração. Dois dias antes pensou em acabar com tudo, por fim ao sofrimento que sentia corroendo por dentro. Até tentou, mas um anjo não deixou. Intercedeu, parou o processo. Olhou nos olhos do anjo, não via ternura, mas pena. Então esperou. Assim tinha sido sua vida até o momento, esperando, aguardando o momento certo pra lançar a rede, pegar o peixe grande.
Um telefonema, uma carta, um sinal de fumaça, aguardava pacientemente algo, não sabia o que era. Mas sabia que viria, cedo ou tarde, não importava, só a certeza que viria. Claro, inteligível, presente. Era só a confirmação do que ele sentia, o que o espírito já sentia. Tão forte como o drops de anis que ele sempre gostou.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Sangue de Maria

Ele sempre gostou daquele drink: gim com campari... E era isso que ele bebia enquanto via a banda de seus amigos tocarem aquele blues arrastado, cheio de paixão e melancolia. Seu velho amigo entre seus dedos, queimando no ar, castigando os pulmões, sendo sua única companhia naquela noite de junho. Pensou na vida, nas pessoas que ficaram pra trás, nas que passaram por sua vida. A bebida começava a fazer efeito, já era a quarta dose, a lágrima rolava em sua face. A canção agora lembrava situações, muitas boas, outras com final nem sempre feliz. O cara do bar trouxe mais uma dose. Ele a viu chegando, não estava sozinha... Não importava com quem! Ele puxou mais uma vez a fumaça pra dentro, tomou um gole, rangeu os dentes... Tomou coragem, outro gole!!! Pensou em levantar, ir conversar. As pernas não obedeciam. O cérebro ainda era mais esperto que o coração, duro pra se proteger, mole pra se meter em encrencas... Só ele e o garçom entendiam a situação. Ela quase o viu, por um relance. Parecia que na mesa do canto, a mesma que tantas vezes riram e se embriagaram. Não podia ser, ela ouvira falar que ele sofreu um acidente fatal de carro. Explodiu no meio de uma plantação de cevada ou aveia, ninguém nunca soube ao certo. O garçom apagou a luz sobre ele. Nem o nome dele sabia, nunca falara mais do que o preço da dose pra ele. Naquela noite era seu melhor amigo, soube interpretar a necessidade do momento. Nem perguntou. Trouxe outra dose, mais um maço de seu cigarro preferido, aquele mesmo que estava aos poucos derretendo seus pulmões... A canção continuou. A noite ainda começava, mas para os outros, não pra ele.

Band-aid e esparadrapo no coração...

Mal ele abrira os olhos, percebeu mais uma vez que estava no mesmo quarto de hospital. “Putz, se não estou enganado, já é a segunda semana que como essa comida sem sal, e pior: salada de pepino!!!” Agora avaliava a extensão da tragédia: um braço quebrado, o pulmão perfurado, e o que mais doía de tudo: a unha encravada no pé direito, de tanto cortar errado nos cantos. A enfermeira gorda mas sorridente vinha em direção dele mais uma vez com a bandeja de seringas prontas pra espeta-lo. “Hei Justine, dá pra ser um pouquinho generosa comigo? Deixa eu ir lá fora fumar um cigarrinho?” Ela sorriu, pôs sobre a mesinha e explicou que o turno dela acabara há dez minutos, que a novata do outro andar vinha render o posto. “lá vem outra sádica...” E não era que vinha a mulher mais fantástica da enfermaria cuidar dele, e do velho operado de hemorróidas ao seu lado!? Ela chegou próximo, sorriu, puxou o pijama que só cobria a frente dele, passou o algodão no exato local, viu a tattoo nas costas dele. “Que lindo esse dragão... Sempre tive vontade de fazer uma grande assim também.” Ele viu a deixa pra passar uma cantada na deliciosa enfermeira. “To vendo que vc curte uns desenhos também... É, essa eu fiz quando passei por Hong Kong quando tinha 21 anos. Bem que você poderia me mostrar a tua também, e eu talvez te ajudasse a escolher um novo lugar pra uma nova...” Ela deu uma risada, puxou um pouco do vestido pra cima, bem próximo da calcinha branca de renda. Ele, deitado, de bruços, de olhos arregalados, nem percebeu o momento que ela lhe espetava a bunda com o antibiótico, ardido feito vinagre... “Hei hei, vai devagar aí, minha bunda não é almofada. Pega leve aí...” Ela riu, deu um beijo na testa dele, ainda reclamando da dor e resmungando alguma besteira. O velhote ao lado se deleitava de rir da cena. Um idiota metido a conquistador cantando a enfermeira gostosona e levando a pior. “Palhaço, pelo menos saio daqui quebrado mas ao menos não vou ficar passando pomada no rabo por mais um ano...”

And born to be wild...

O sol forte batia no pára-brisa e fazia um espectro nostálgico àquela viagem... O velho carro respondia bem às pisadas no acelerador. A cada curva que ele fazia o pé apertava um pouco mais... A estrada o chamava pra aventura. Sozinho, como sempre foi. O rádio tocava uma música que o deixava mais excitado com tudo aquilo. Wilco... Em volta só campos, alguns tão bucólicos que beirava a nostalgia do momento, outros tão belos que o levavam a pensamentos longínquos. Tão longe que ele nem sequer percebeu o caminhão atravessado na pista. Aquele instante que antecedeu durou uma década toda. Ele via a velha amada próxima, andando de mãos dadas num bosque de velhas árvores. Viu a filha correndo à sua volta, brincando na grama, quase caindo no lago. Viu os amigos na semana passada numa festa, cantando e bebendo, vivendo o instante... Viu o momento do adeus, a briga, a raiva... Viu sua vida num segundo, quis parar o momento, voltar atrás. E voltou a si. “Se eu soubesse que terminaria assim, teria acelerado mais”... E assim o fez! Pisou mais fundo que pode, o velho carro atendeu ao pedido. Sempre esteve perto, junto, nunca se negou, e não era naquele momento que iria abandoná-lo... O estrondo foi ensurdecedor, a bola de fogo subia aos céus rapidamente. Tomou conta de todo terreno. O álcool que o caminhão transportava se espalhava rápido, consumindo tudo a sua volta numa velocidade espantosa. O espetáculo pôde ser visto os quilômetros, os bombeiros demoravam a chegar.

Um camponês via tudo embasbacado, nunca tinha presenciado algo tão belo, tão trágico, uma visão que jamais sairia de sua memória... Ele só não conseguia entender o porquê daquele jovem no velho Maverick sorria a apenas 10 metros da colisão fatal. E um sorriso angelical, de quem sabia o que fazia, que tudo ia mudar, que o sofrimento agora dava lugar a uma esperança maior, de paz, de silêncio, de retidão... E sorriu sim, o sorriso que por tanto tempo ele guardou fundo na alma, agora o coração falava “pare”, mas ele sorria e acelerava mais... E o velho senhor corria de encontro à tragédia, tentava ver algo em meio a fumaça, uma fisionomia, alguém... “somebody help!” ele gritava pro nada. Foi então que o inimaginável aconteceu: o velho Marevick não colidiu diretamente no caminhão!!! Estava sim tombado, amassado, mas vivo como seu ocupante. Por uma fração de segundo ele desviou da trajetória, resvalou na cabine do caminhão, girou no ar e parou capotado exatamente no meio da plantação de aveia. O que provocou a explosão foi o outro veículo que vinha da direção oposta. Lá estava o jovem, sangrando, agonizando, buscando ar no pulmão perfurado e encharcado de sangue, mas sorrindo, tentando acender o cigarro com a mão trêmula e ensangüentada. “Tem fogo aí?” Apagou...

domingo, 6 de maio de 2007

Oh happy day...

Ho ho ho... E o novo dia raiou... O despertador tocou, hora de pular, viver o novo, o “new happy day”... E tem sido assim com ele, só um dia após o outro, nada mais, viver o já, o presente. E ele tomou o café preto, forte, do jeito que ele se sentia agora... Forte, mas não amargo... Aquela garota mexeu com ele, deu um suspiro por ele. Passou a mão no cabelo dele, o surpreendeu, pulou no pescoço dele, deu um beijo nele no meio dos amigos dele, deixou todos espantados. Ele então, mais ainda!!! Céus, o que era aquilo?! Fazia tempo que alguém não o assustava assim...

E subiu no carro, o velho carro, seu velho companheiro que insistia em não deixá-lo na mão... Acendeu o cigarro, ligou o motor possante e acelerou fundo, pra deixar junto com a poeira que ia ficando pra trás as amarguras todas. E foi pra mais um dia...

Mais uma dose, menos uma noite...

E lá estava ele, sentado no canto do bar, a cerveja já começando a esquentar no copo, o cigarro acabando na mão, a fumaça subindo... Ao fundo Pixies tocando e a lembrança do velho amor amargando o coração. Mais um gole, mais um trago... A cada baforada de fumaça acompanha um suspiro. Alguém chegou, sorriu, um beijo no rosto... Parece que aquele momento apagou um pouco a triste memória.

E ela falou coisas legais, deu risada, se mostrou legal. E ele se animou, pediu outra cerveja, apagou o cigarro, abriu um sorriso. Mas queria mais ouvir que falar, não tava a fim de se abrir, demonstrar fragilidade, falar do coração partido, partido com o adeus da amada... Ah, a amada mais uma vez!!! Essa que tanto tempo esteve com ele, que ainda o acompanha, agora na memória... E ela percebeu. Assustou-se, ele não abriu a guarda, não conseguia ainda abrir as portas do coração pra um novo amor, o velho ainda estava lá, castigando, tomando um espaço que não era mais dele.

E assim ela foi, ele deixou, sabia que não ia adiantar nada ir atrás, nem conseguiu se expressar... A cerveja voltava a esquentar no copo. Mais um cigarro pra tentar sufocar esse coração que insiste em se manter apertado. Parece que quanto mais ele tenta esquecer, mais a lembrança o castiga.

E foi mais alguém legal, mais uma noite passou, ele só termina o copo e volta pra casa, agora dirigindo sem rumo nas ruas, pra sua cama que tantas passaram, mas que nenhuma tocou seu coração... Só seu grande amor...